Rua de Mão Única

Foi num dia aí, quando o ônibus quebrou e o jeito foi esperar outro. Ele, naquela época, em seus trinta e poucos anos, rosto rijo, mãos ásperas e olhos castanhos, trabalhava no Brás, detonando o corpo numa jornada estafante de doze horas. Saía de casa toda manhã, sob sol, chuva ou qualquer outra porcaria de tempo. Despedia-se da mulher, do filho insosso e seguia até o ponto onde encontrava os companheiros de turno. Foi num dia aí, quando a porra do ônibus quebrou que viu, pela primeira vez, Miss Daisy. Veio do nada, caminhando pela calçada. De relance, super rápido, olhou para ele que, despreocupadamente, conversava com os colegas, recostado num muro todo pichado. Teve pena, mas sem dó nem piedade, lascou-lhe um beijo hipermolhado.

(do livro "Pessoas bonitas acordam tarde")

(ilustração sem título, autor desconhecido)

Um excelente texto - Pagando o pato ou afinal você escreve para quê? - para ser lido e comentado em http://laoutra.blogspot.com