"Para os grandes, as obras acabadas têm peso mais leve que aqueles fragmentos nos quais o trabalho se estira através de sua vida" - Walter Benjamin
Some moon faces - Patrice BessoNa FaixaNão foi Santo quem atirou a primeira pedra nem foi Santo o primeiro a abandonar o barco. Seduzido pela promessa de ser herói ou coisa até maior, não hesitou em dizer sim, eu vou com vocês. A lua estava cheia e um cheiro forte de erva-doce pairava no ar. Porém, antes mesmo de saber o que estava acontecendo, os pés já ardiam no asfalto. Atônito, sem distinguir o branco do preto ou o vermelho do amarelo, viu-se correndo como os animais correm quando feridos - correndo como as crianças correm quando se sentem vulneráveis. E enquanto corria, apenas um único pensamento lhe perseguia: Meu Deus será que você agüenta?
(do livro "Perambulando pelo caos"- série - infâncias # 9)
Espera al ar libre - Alejandro AsencioTerras de DaliHá braços que saem das orelhas e pernas penduradas dos artelhos, há o caos, onde minha mãe toca piano e dá pão-de-ló para elefantes comerem. (Menalton Braff)
Enquanto um homem gordo lê poesias para uma menina cega, ovos de avestruz caem do céu. Correndo a todo vapor, vinte milhões de habitantes se agridem em meio ao caos. Olho para os lados e não encontro você. Sem rancor ou ódio, abro o guarda-chuva e, entre corpos de crianças vazando sonhos pelos cantos dos olhos, deposito meu coração na boca de um menino. Penso: Já não tenho mais idade para brincadeiras.
(do livro "Perambulando pelo caos"- série - amores # 8)
Vacas y Hombres - Edgar LeonO senhor da ruaNunca sorri, quando muito levanta as sobrancelhas. Jamais diz bom dia, tampouco boa noite. Dele ninguém escapa ou consegue se esconder por muito tempo. Tem olhos de lince e de longe fareja a sua presa. Gosta de caçar crianças para o café da manhã, devorar mulheres no almoço e cozinhar em fogo brando os homens para o jantar. Nos finais de semana, após comer, beber e fumar até os cornos, senta-se no topo do edifício mais alto do planeta. De lá, atento, vigilante e cauteloso, observa com muita satisfação o frenesi da multidão a transportar nas costas sacos e mais sacos de carne seca. De lá, atento, vigilante e cauteloso, sacode sua enorme pança e cospe com muito gosto na cara dos covardes.
(do livro "Perambulando pelo caos"- série - urbanidades # 20)
Brincadeira de crianças - Jarina MenezesQual é a sua?Numa rua qualquer de um lugar periférico e ladeirento, ao meio-dia de um dia sem sol, apareceu um homem usando sapatos grandes, roupas largas com cores brilhantes e cheias de remendos. Na cabeça, um chapelão surrado. No espaço do nariz, uma pelota vermelha e na cara pesadamente maquiada de branco, um largo sorriso. Sem mais nem menos, começou a fazer malabarismos, dar cambalhotas, tapas de purpurina no rosto dos meninos e a jogar confetes nos cabelos das meninas. Totalmente desequilibrado, parecia ter saído de algum lugar para gente muito desmiolada. Porque, ora rindo, ora chorando, ia distribuindo pirulitos, balas, chicletes e uma infinidade de outras guloseimas para um público pra lá de desconfiado e assustado. Não fez amigos, tampouco cativou o coração da platéia. O máximo que conseguiu foi chamar a atenção dos cachorros.
(do livro "Perambulando pelo caos"- série- infâncias # 8)