Rua de Mão Única

"Para os grandes, as obras acabadas têm peso mais leve que aqueles fragmentos nos quais o trabalho se estira através de sua vida" - Walter Benjamin

domingo, agosto 27, 2006

 

Faixa de Pedestre

Desde pequeno, quando ainda nem era gente grande, cofiava os dias numa correria danada, ora uma manhã aqui, outra acolá. Tudo provisório. E seguiria adiante nesse sufoco se o acaso não lhe tivesse acenado com a promessa de dinheiro fácil. Rapaz esperto, não pensou duas vezes. Oferta irrecusável. Oportunidade única. Nada de carteira registrada. Nada de fundo de garantia. Nada de chegar zerado ao final do mês. Para cada serviço realizado, dinheiro vivo na mão. Exigia-se apenas agilidade e muita discrição. Coisa simples, descomplicada. Quando receber a mensagem, já sabe… Basta pegar o pacote e deixar no local combinado. Entusiasmado, nem quis saber o que transportaria.

Os carros passavam entre ele e a agência bancaria. Enquanto zunissem no asfalto, sem chance. Interrompido pelo sinal de pare, tinha jeito não. Atrasadíssimo, por mais que quisesse era impossível atravessar. Ora, logo na primeira entrega? No mínimo, seria repreendido. Porém, fazer o quê? Conteve-se. Celular no bolso, encomenda na mão. O ar quente, seco. Por onde andava os irmãos naquela noite? Olhou para um gigantesco luminoso. Oh, sim, um dia ainda teria uma televisão de plasma. Uma jovem também esperava o semáforo abrir; muito parecida com sua namorada.

Aberto o sinal, não perdeu tempo. Ligeiro, desajeitadamente rápido demais, seguiu o fluxo de pedestres. No meio da travessia, nada viu ou ouviu, sentiu apenas um vigoroso e silencioso baque; e como num passe de mágica, sobrepujou em muito os céus da grande metrópole.

Onde você estava na hora? - perguntaria um repórter para uma senhora de fino trato, indignadíssima com a falta de segurança.

(ilustração - Serie Afriacana 3 - Miriam Rubino Rinck)

Comments:
Conto denso e com uma narrativa madura.
 
Complexo, não? Esses contrastes em que vivemos hoje entre o violento e a casualidade, quando contados assim, é que mais o percebemos. Sempre é bom dizer: gosto muito do que vc escreve. Bjs.
 
, acontecimentos de o dia a dia. sempre trabalha bem os acontecimentos diários e contemporâneos em seus contos...
, sempre bom te ler, tenho muito respeito e admiração pela sua pessoa e seus escritos...
|abraços meus|
 
"morreu na contra-mão atrapalhando o [tráfico]"...

sempre mto bom!

[]´s
 
Ando mais para a senhora indignadíssima com a falta de segurança, portanto prefiro às vezes não estar. Beijo e parabéns, sempre fazendo a gente refletir mais do que deveria.
 
"desde o começo eu não disse seu moço? ele disse que chegava lá...!"
olhaí!!!
eu já conheci tantos meninos que começaram antes mesmo de acabar...
beijo seu moço...
 
Oi Cláudio

fiquei chocada.

depois achei ótimo ficar chocada, assim percebo que apesar de estar se tornando comum, a violência ainda me assusta.
um beijo querido.
no coração
 
Isso é Shopenhauer puro. Contra a espera, amar. Contra a esperança, viver. E contra o meio, o resto. No mais não esperemos muito, apenas o próximo post do Claudio que sempre vem cheio de idéias intriínsicas. E, by the way, não recebi seu mail. Quando puder mande novamente.
abçs
Ilidio
 
claudio, não sei se é a configuração do seu blog, ou se é mais um ataque de frescura do meu macintosh.. leio seus textos com dificuldade.. eles me vêem cheio de símbolos no lugar das letras... mas dá pra ler e, acredite, vale o esforço. Beijos!
 
Como estamos nos conhecendo agora, acho que preciso dizer: não sei fazer comentários, viu? Sei ler e ler e ler. Sou uma leitora compulsiva, mas não me cobro altas interpretações. Prefiro deixar que o próprio texto me leia ou me diga pra onde vai o pensamento! rs...
Agora, por exemplo, estou aqui refletindo sobre a origem da corrupção. É viagem eu sei, mas seu texto me fez pensar numa corrupção tão comum a todos nós que não damos conta dela. E nos assustamos qdo ela vem lá de cima, pq vem em doses cavalares. Mas corrompemos e somos corrompidos milhares de vezes em pequenos e pretensos inofensivos atos... e a honestidade fica dificil de ser conceituada. E a violência vira nossa indignação como se não fosse consequencia...
Fim da viagem! rs... Vou ler um pouco do seu passado que desconheço...
Beijãozão
 
A vida não foi feita para ser justa ou honesta com as pessoas...ela está aí para quem quiser desafiá-la! Belo conto!
 
cláudio, o limite tênue entre o casual e o trágico, que vc tão bem conseguiu delinear em seu conto, é muito instigante e, sobretudo, é de se refletir pq são tantas as situações cotidianas que vivemos a beira deste contraste. abraço.
 
provisório, meu caro, em muitas das vezes, é estado que perdura. ainda que pelo caminho tenham de ficar alguns. 1 abraço
 
cotidiano visível, mas poucos percebem como vc.
 
E dos outros pacotes que nos arrebatam sem nos matar em via pública? E do que se atrofia de coragem em nós, e nem vira notícia? E quando a indignação é só uma velha senhora impotente, o que nos resta? Tua literatura, tua literatura, tua literatura.

Abraço, parabéns, enésima vez.
 
A vida é efêmera, mas a gente teima em esquecer isso.
 
Constantemente e ligeiramente, entre este cotidiano meu e aflição, me deparo entre este fluxo de pedestres e neste ar seco e quente que descreveste, Claudio.

abraços
 
meu caro Cláudio, uma boa travessia neste setembro que começa, pra você e todos nós pedestres na vida.
 
É para pensar mesmo. Parabéns.
Um bj laura
 
Um segundo, assim, e vai tudo pelos ares. A vida passa, a morte chega e não se apercebe, um fluir contínuo e irrefreável e nos perdemos no meio de tudo, no meio de cada acontecimento, simples ou complexo. A vida não vacila - a morte também não. Vacilamos nós.


ps.: I - reparei agora que você é santo andré, terra do poeta que muito aprecio, o Tarso de Melo, e tantos outros que matam e morrem pela poesia, arte fina. Você os conhece? Se sim, ao menos para o Tarso, diz que há um fão-adimirador aqui na bahia. II - já perguntei uma vez, vou refazer a pergunta: você usa mensageiro instantaneo, tipo msn, se sim adicione o meu ae: jusoperandis@hotmail.com para conversamos mais diretamente, sem a necessidade dos posts.

Abçs.
 
Onde você está agora? Perguntamos todos.
 
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