Corro, atravesso a cidade. Preciso ser ligeiro. Sinto o fogo queimando a pele, vejo a cena antes da hora. Antecipo os acontecimentos. Talvez esta seja minha última oportunidade. Vou sem pedir licença, vou levando a derradeira notícia. Não posso chegar atrasado. É como um formigamento nas mãos, uma coceira entre os dedos dos pés. São fragmentos, imagens desconexas. Perco o sono, ando pela sala. Faço anotações. A vizinhança estranha. À boca miúda, dizem que sou louco. Dou com os ombros, viro as costas. Faço de conta, finjo que não ouço. Zé povinho, gente supersticiosa. Pensam que tenho parte com o demo. Acreditam apenas no que vêem. Desconhecem as sutilezas do espaço. Consulto as estrelas, leio nas entrelinhas. Estou sempre conectado, destrinchando as mensagens. Junto partes, ligo os fios da meada. Permaneço em transe. A informação vem de longe, vem rastejando pelos ares. Ultrapassa fronteiras, invade barracos. Ricocheteia nas paredes, atravessa os telhados. Nesse momento, não tem santo que clareie. Deixo me levar. Aprumo as orelhas, procuro decifrar. É um prédio em chamas? Ou uma ponte que desabou? Latrocínio? Ou Suicídio? Onde? Falando assim, ninguém acredita. O quê? Eu tenho um dom. Vejo coisas. Brincadeira, conta outra. Sozinho, saio de casa. Sozinho, corro pelas ruas. E, por incrível que pareça, mesmo prevendo tudo, não consigo dar conta do recado. Sempre chego atrasado.
Toda manhã após despedir-se da moça com brinco de pérola, corre em direção à estação de trem. Toma seu lugar na fila, confere o dinheiro da passagem. Diz bom dia para o bilheteiro, escorrega para o centro da plataforma. Encontra velhos conhecidos. À sua esquerda, próximo ao pilar de concreto, em pé, lendo uma revista, o senhor de terno e gravata; à sua direita, sentada, a senhora de cabelos ainda molhados. Do outro lado da plataforma, solitários - são os únicos em sentido contrário -, a mulher e a criança com síndrome de Down. O trem chega. As portas se abrem. Empurra. É empurrado. As portas se fecham. Pressiona. É pressionado. O trem parte. Ganha velocidade. Sacoleja pra cá, sacoleja pra lá. Agora é apenas uma questão de minutos até a próxima estação. Tempo suficiente para sentir e distinguir os mais diversos cheiros.
Começaram trocando insultos e palavrões. Depois, partiram para a agressão física. Brigavam por qualquer coisa. Às vezes, um simples espirro já era o suficiente para desencadear uma batalha. Com o tempo, foram se sofisticando. Armaram-se. Arregimentaram gente. Hoje, quando alguém morre, cantam, dançam e prometem vingança. É tudo olho por olho, dente por dente. De resto, é um lugar tranqüilo. Se o senhor tiver um salvo – contudo pode até sair pra passear com seu cachorro.08.28.2005 09.04.2005 09.11.2005 09.18.2005 09.25.2005 10.02.2005 10.09.2005 10.16.2005 10.23.2005 11.20.2005 11.27.2005 12.04.2005 12.11.2005 12.18.2005 01.29.2006 02.05.2006 02.12.2006 02.19.2006 02.26.2006 03.05.2006 03.12.2006 03.19.2006 03.26.2006 04.02.2006 04.09.2006 04.16.2006 04.23.2006 04.30.2006 05.07.2006 05.14.2006 05.21.2006 05.28.2006 06.04.2006 06.11.2006 06.18.2006 06.25.2006 07.02.2006 07.16.2006 07.23.2006 07.30.2006 08.06.2006 08.13.2006 08.27.2006 09.10.2006 09.17.2006 09.24.2006 10.01.2006 10.15.2006 10.22.2006 10.29.2006 11.26.2006 12.17.2006 01.28.2007 02.04.2007 02.11.2007 02.18.2007 02.25.2007 03.11.2007 05.18.2008 07.06.2008 08.31.2008 10.19.2008 12.14.2008 02.01.2009 02.15.2009 02.22.2009 03.08.2009 03.29.2009 04.19.2009 04.26.2009 05.31.2009 06.21.2009 08.09.2009 12.20.2009 01.31.2010 05.09.2010 05.16.2010 06.27.2010 02.06.2011 06.05.2011 08.14.2011 08.28.2011 04.29.2012 12.02.2012 04.21.2013 09.22.2013 04.02.2023 04.23.2023